sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O meu menino jesus chegou

Era perto da meia-noite, a chaminé fumegava, o sapato estava a preceito, a musica tocava lá no fundo… bem baixinho. Eu, criança, esperava que algum sorriso viesse pela chaminé.
Chegou.
Chegou sem ser esperado.
Esperado? - Não! Nem um pouco.
O sino tocou no quarto. Fui ver. Estava frio. Foi engano.
Alguém, Ele, Esse Alguém, tinha por engano tocado na campainha errada. Até porque já se tinha anunciado umas horas antes.
Não…
O sino tocou mesmo! Resplandeceu de brilho de uma noite de natal. Noite de natal, em que está proibido proibir.
Noite de natal, onde o mundo parece diferente.
Noite de natal, onde o mundo e as mentes estão abertas a aceitar sonhos e dúvidas.
Tilintou e olhei para a roupa ainda quente, ali tão perto.
Estás proibida de proibir, ainda que por uns instantes.
Foi fácil, ela ainda estava quente, a noite estava fria...
Estava frio, mas o suor escorria pela fronte, ainda em dúvida se ele tinha mesmo tocado.
Mas como é noite de natal e na noite de natal o mundo é melhor e cheio de sonhos…
É loucura? – É! Mas não tenho eu o direito à loucura? Ainda que seja na noite de natal?
Sim. Tenho!
Corria riscos?! – Sim corria. Os mesmos riscos corridos há meses atrás, numa partida de xadrez. Esses tinham sido combinados ao pormenor, medidos, questionados, acordados…
Estes não! Mas eram sabidos, logo mais exigentes e menos desculpáveis, mas mais imaginários, porque tudo era, ainda, imaginação.
Mas o sino tocou... Tocou e fui atrás daquele fio de melodia que somente chegava a meus ouvidos.
Onde?
No lugar do costume, ouvi dizer do fim daquele fio melodioso.
No lugar do costume! Estou só. Eu e o mar que bate nas muralhas como que a prolongar os muitos sussurros, choros e risos. Ele, o Pedro, tinha-me dito: “Andas à procura de amor no sítio errado”.
Saboreei a tua chegada ou simplesmente olhei-te com olhos de luar, somente aqueles que te conhecem…
Que fazer?
Não tive tempo. Fui enlaçada docemente, com um sabor a mel, só possível porque era noite de natal. As tuas mãos grandes, enormes, rodearam-me a cintura, como que querendo sentir que eu era de verdade, mãos que pareciam conhecer bem as marcas do meu corpo.
Senti-me pequena, quase partida a meio.
O banco do jardim estava coberto pelas lágrimas do céu.
Foi tudo tão real, tão nítido, tão objectivo e… tão sonhado, tão mítico, tão idílico, que surge o medo de que aquele momento se estilhassasse e onde o espelho da alma estava prestes a nublar.
Foram horas de trocas, de sensações, de toques, de carícias, de olhares, de sonho, onde vi na tua boca bem traçada, a linha do horizonte, e onde fui beber o ouro da tua fonte.
Perguntei-te se gostavas de dançar. Respondeste dormindo, que sim e...que gostavas muito de mim.
Beijaste meu corpo de pedra quente e marfim, mais quente que o sol tropical, com boca e língua de maresia.
Foste o meu menino jesus.
Negaste.
Reafirmei. Voltaste a negar.
Pediste desculpa.
Disseste pela enésima vez que…gostavas de mim.
Foste o meu menino jesus.
Voltaste a negar.
Que fazer? – Não sei.
Foi talvez, só imaginado, ou aconteceu e foi demais?
A magia, porque magia do natal, veio verme. Creio que pela primeira vez.
Ali esteve a magia, a doçura, a distância ausente e presente.
Explicaste a ausência da presença, por feitio próprio.
Repetiste frases do xadrez.
Já me habituei com carinho, às migalhas da doçura que me deste.
Foi necessário vir o menino jesus para me dizer que a ave que há em ti precisa voar, que não tem ninho por perto, até porque, voar é preciso!
Precisas voar… e saltar…ao sol e em qualquer primavera…
O menino jesus mostrou-me o caminho.
Mas como é natal, eu gostei de saborear, salivar, degustar e digerir saudosamente, alegremente, felizmente as tuas migalhas, tamanho do pão do mundo, que me alimentaram desde o Verão.
Acho que, com as tuas migalhas, fiquei forte, robusta e leve. Assim também eu posso voar.
Vamos voar juntos?
Ainda que em sentidos e com sentidos distintos, quem sabe talvez um dia, como eu tremia, pensando que nos céus imaginários, nos encontremos na linha do horizonte da tua boca.
É dia de natal.
O meu coração sorri;
A minha boca sabe a mel;
As minhas mãos ainda estão quentes;
O meu olfacto detecta o teu cheiro;
Os meus olhos fechados vêem o brilho da lua e sentem o calor do sol.
Foste!?
Vai… Com muito amor
Obrigada menino Jesus.
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"Folha Caída"
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Não te quero

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,como um cego.
Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,a sangue e fogo.
Nega-me o pão, o ar,a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,porque então morreria.
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"Pablo Neruda"
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sábado, 28 de novembro de 2009


Queres namorar comigo hoje?


A sociedade evolui. A escrita evolui. As palavras evoluem. Os sentimentos também.
Queres namorar comigo hoje?

Algumas palavras, concentram experiências comunitárias, que não têm equivalentes na unidade lexical de outras línguas, e são o fruto de sequências comportamentais, acções e cenas recorrentes, que fazem a aparência "material" da língua, assumir uma dada configuração.
Como exemplo, pode referir-se a situação do povo Boro, da Índia, que tem um vocabulário, aparentemente bem mais atento às nuances dos sentimentos do que muitas outras línguas. Para eles, onsay significa "fingir amar"; ongubsy, "amar de verdade" e onsia, "amar pela última vez".
Queres namorar comigo hoje?

Através da linguagem verbal o homem recria o universo e age sobre ele.
O significado da palavra namoro, hoje, tem um sentido perfeitamente distinto daquele que tinha no tempo dos nossos pais e avós, para não ir mais longe – porque aí outros parâmetros também tinham que ser considerados.
Queres namorar comigo hoje?

Já Rui Veloso e muito bem, na sua canção diz : “já não há cartas de amor, como havia antigamente.”
O conceito clássico de namoro está hoje depreciado. Hoje, falar de namoro, é falar de uma brincadeira, com vista a encontrar o prazer caprichoso, sem intenções sérias, e não tendo como fim o noivado e por consequência ao casamento.
Queres namorar comigo hoje?

O namoro, conforme o conhecemos hoje, é um acontecimento recente e moderno.
Namorar, hoje, é um acto mais do que banal.

Mudanças comportamentais, libertação sexual (conquistada com o feminismo), avanços tecnológicos, quebra de tabus, rapidez de evolução cultural, onde o imediatismo dá o tom de descartabilização, num universo de liberdade e múltiplas escolhas, fazem com que os relacionamentos afectivos ganhem novas conotações .
Queres namorar comigo hoje?

As tradicionais etapas de namoro, noivado e casamento, conhecidas na época dos nossos pais e avós, hoje desdobram-se noutros verbos conjugados, como ficar, andar, estar e morar juntos, que não precisam, necessariamente, seguir esta ordem, nem, muito menos, culminar num compromisso como o casamento ou morar juntos para o resto da vida, ou ainda por um longo período.
Queres namorar comigo hoje?

No entanto, mesmo com o romantismo em desuso, a busca e a procura do amor, bem como o namoro, continuam uma constante nas relações humanas, independente da idade, do sexo ou da religião.
O que muda com todo este amontoado de transformações, é a forma como se busca este amor.
Queres namorar comigo hoje?

Hoje as pessoas relacionam-se vendo o outro como um objecto/sujeito que deve suprir as suas necessidades para ficar ao seu lado. Não se vê o amor como complementação. É a coisificação do ser humano, bem patente quando as pessoas que acabam de se conhecer trocam beijos e carícias, em suma, intimidades, sem qualquer compromisso.
Queres namorar comigo hoje?

Pode fazer-se a relação com um test-drive de carros, só que, com pessoas, onde aquele que cumpre as exigências necessárias, que geralmente são beleza, inteligência, estabilidade financeira e um 'beijo bom' tem maiores chances de chegar a ser namorado, do que alguém para se conhecer e levar a sério, sendo quase como entrar numa loja e escolher um produto.
Neste extremo, o namoro resume-se a uma fêmea, um macho, ou duas fémeas e dois machos.
Neste extremo, o namoro resume-se a um número. É um holograma de carne, um corpo, uma boca, um par de mamas, um par de cochas...

Levado ao extremo, o que hoje chamamos namoro, antes, era visto como fornicação, que era aquilo que em Roma acontecia sob o fórnice, ou seja a curvatura de um arco, como nas pontes; lugar no qual, em geral, era possível fazer sexo em pé, com uma mulher, paga ou não. Daí vem a palavra fornicação.
Queres namorar comigo hoje?

Convém referir e reafirmar que a minha opinião do que está acontecendo, nas questões do relacionamento, não é baseada num olhar moralista, que não possuo, nem numa concepção de julgamento que não me é autorizada (atire a primeira pedra quem nunca pecou – dir-se-ia), mas sim com o olhar de quem vê e desapaixonado.
Queres namorar comigo hoje?

Mas mais uma vez, desapaixonadamente, me questiono sobre os reflexos e os estragos que estas relações e experiencias afectivas desastrosas, no extremo, podem causar especialmente nos menos preparados e imaturos e nos mais jovens.
Queres namorar comigo hoje?

Questiono-me se estes desencontros e desenraizamentos de valores não serão, em parte, responsáveis pelas frustrações, pelas decepções e pelos desamparos de afectos, onde a solidão e isolamento são uma constante nesta nossa sociedade, necessitada de se sustentar nalgumas verdades e conceitos criados, e materializá-los para que viva com equilíbrio, físico e emocional.
Mas…
Há sempre um mas.
Ainda há os que namoram com amor e com carinho, com amizade e desejo, com cuidado e esperança, com apego ao hoje e vontade de que haja muitos amanhãs, quem sabe para sempre.
Queres namorar comigo hoje?

De uma maneira ou outra e o mais importante, é que as pessoas se amem, com respeito, carinho, dádiva, companheirismo, amizade, fraternidade e já agora… com um pouco de romantismo.

Queres namorar comigo hoje?

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"Folha Caída"

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Se você quer ser minha namorada

Ai, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exactamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarzinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porquê
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.

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"Vinicius de Morais "

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009


Queres namorar comigo ontem?


As emoções foram durante muito tempo matéria da psicologia, encaradas como psicobiológicas, dadas à priori.
Durkheim e Simmel ressaltaram o seu carácter social e segundo alguns autores, somente a partir da década de 80 é que as emoções passam a tomar lugar no campo das ciências sociais, em particular na área da antropologia, a chamada antropologia das emoções.
Queres namorar comigo ontem?

Durkheim, aborda a dimensão social das emoções partindo de estudos sobre o fenómeno religioso e das suas representações colectivas, que dão origem à manutenção do consenso social e à unidade da sociedade. Já Simmel aborda as emoções estudando os fenómenos da fidelidade, da gratidão e do amor, onde afirma que estes fenómenos surgem da interacção entre os indivíduos, que adquirem status social porque articulam com as formas de relações.
No entanto, é com Mauss que se desenvolve a constituição das emoções como facto social e em que este afirma que “só há comunicação humana através de símbolos, de sinais comuns, permanentes, exteriores aos estados mentais individuais que simplesmente são sucessivos, através de sinais de grupos de estados considerados a seguir como realidades". Mauss defende que as emoções formam uma linguagem, ou seja um conjunto de signos de expressão, que em muitas vezes leva a manifestações obrigatórias (morte/ritos fúnebres, namoro/casamento).
Estes e outros estudos e autores motivam em mim a teoria de que, as emoções, sendo também psicobiologicas, têm um grande cariz social, com um grande porte cultural.
Assim, há necessidade de se perceber a linguagem das emoções, como elemento de comunicação, e de interacção social e cultural.
Queres namorar comigo ontem?

Parto desta ingénua e acientífica abordagem, para escrever o que me vai no pensamento sobre a amizade, e em alguns casos, como ela conflui para o namoro, hoje que, namoro tomou conceitos, perspectivas, espaços, lugares, meios de contacto… tão distintos da era onde a nova tecnologia estava ausente.
A palavra "amizade" em português refere-se tanto a um sentimento quanto a uma relação específica. Segundo o dicionário Aurélio, esse sentimento engloba outros, como afeição, simpatia e ternura, e pode, assim, estar presente em relações que não são caracterizadas como de amizade.
Já no dicionário inglês Oxford, encontramos uma definição mais restrita da categoria, que se refere apenas à relação entre amigos ou ao sentimento associado a essa relação específica.
Embora sejam definições formais de dicionários, esses significados apontam para elaborações culturais particulares, mostrando como o conceito de amizade pode diferir de sociedade para sociedade, de cultura para cultura, de religião para religião…
Recorrendo ainda à sociologia (Allan, Paine e Suttles), amizade é vista em geral como uma relação afectiva e voluntária, que envolve práticas de sociabilidade, trocas íntimas e ajuda mútua, e necessita de algum grau de equivalência ou igualdade entre amigos. Nesta discussão, a amizade é alocada estritamente no domínio privado da vida social.
Mas, (Bell, Coleman, Papataxiarchis e Silver) mostram-nos como os significados da amizade em contextos históricos e culturais distintos vão realçar ou eclipsar esses termos, que, por sua vez, se mostram entrelaçados com uma forma especificamente ocidental e moderna de pensar a pessoa e sua relação com os outros.
Queres namorar comigo ontem?

No dicionário Aurélio, namoro é definido como uma instituição de relacionamento interpessoal não moderna, que tem como função a experimentação sentimental ou sexual entre duas pessoas através da troca de conhecimentos e uma vivência com um grau de comprometimento inferior à do matrimónio.
A grande maioria utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento definido este último acto antropologicamente como um vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social.
Queres namorar comigo ontem?

Para um católico que pretenda casar, o namoro pode ser visto como uma relação que permite avaliar a adequação do outro como parceiro, a fim de, com ele, vir a constituir uma união indissolúvel de corpo e alma. Portanto um namoro não se limita a ser uma possibilidade de fruição de prazer, mas é um empreendimento espiritualmente importante que permitirá, ou não, dar origem a um sacramento instituído por Deus, o matrimónio.
Queres namorar comigo ontem?

Entre os protestantes, namoro descompromissado, históricamente, não é bem visto, por atentar contra suas doutrinas originais, que solicitam pureza moral e abstinência sexual antes do casamento. Porém, no mundo pós-moderno, a proliferação da ideia de verdade relativa, tem sido aceite neste meio, o que promoveu uma maior liberdade sexual no compromisso do namoro, havendo até casos em que os parceiros dividem o mesmo lar sem a oficialização do relacionamento diante da Igreja.
Queres namorar comigo ontem?
Entre os evangélicos, devido à ideia de retorno às origens do cristianismo, e à sua pureza inicial, ideia esta que promoveu o surgimento das denominações chamadas evangélicas, os seus teólogos tem discutido a necessidade da existência, actualmente, deste nível de relacionamento pré-conjugal quando, na própria cultura hebraica (povo cuja cultura moral foi o berço do cristianismo) o namoro nunca existiu, ou sequer foi citado.
Queres namorar comigo ontem?

Segundo a tradição hebraica, mesmo que a um homem, não fosse possível serem os seus pais a escolher o cônjuge (o que era preferencial), e fosse necessário que ele mesmo fizesse essa escolha, a ele só seria lícito comprometer-se em noivado com (se prometer para) uma mulher, aos pais, ou responsáveis dela. Neste compromisso, qualquer envolvimento sexual ou afectivo com outra mulher que não a noiva já implicava uma traição. Mas também, não era permitido qualquer contacto sexual, em nenhuma intensidade, com a noiva. Em alguns casos nem sequer o desenvolvimento de uma amizade, pois até esta deveria acontecer apenas no casamento.
Por tudo isto, pergunto:


Queres namorar comigo ontem?

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"Folha Caída"
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Eu não existo sem você

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você
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"Vinicius de Morais"
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009


O que pensa a gaivota

Ela voa… voa… faz rasantes… queda-se, ora quer em cima do mastro do barco, ora no parapeito da muralha do rio.
Volta a subir em direcção ao céu, em busca do seu mundo.
olha… observa… vê… pára… pensa…
Sim, pensa. As gaivotas também pensam…
Pensam de modo diferente daquele que nós, aqueles que pensamos que somos o ser superior, pensamos.
Mas elas, na sua agremiação… pensam. Pensam e transmitem informação e conhecimento, pensamentos, sensações, saberes, experiencias.
Ela voa e observa.
Elas, as gaivotas, fazem parte do espaço que nos rodeia.
E ali está ela observando o vai vem daquelas criaturas. Sim criaturas, porque para ela somos simplesmente isso.
E observa a esplanada, onde uma fileira de criaturas perfila como se de uma carreira de formigas se tratasse, que transportam o seu alimento, adivinhando um Inverno agreste.
Observa e pensa…
Que farão aquelas criaturas, naquele vai vem, umas de pé outras sentadas, erraticamente dispersas? Umas sozinhas…, outras acompanhadas…
Umas conversam…, outras estão caladas…
Umas, outras, estão fechadas em si mesmo, com o olhar perdido na imensidão daquele Rio.
Há ainda aquelas, outras, que partilham um ruído estrondoso mas rítmico, de boca aberta, dentes à mostra. Ela não sabia que aquelas criaturas, as outras, estavam a dar gargalhadas…
O som das águas, no seu vai vem, recorta aquele buliço.
Mas não é suficiente para desviar a atenção da gaivota das tais criaturas que, na imagem que delas faz, se assemelham a formigas que cativam os sentimentos para os formigueiros, armazenando ou desperdiçando o que tanta falta vai fazer naquele Inverno que se avizinha.
Há umas, outras, que lhe chamam especial atenção.
São aquelas, que estão fechadas em si mesmo, olhar perdido no horizonte, quem sabe pensando em mais um dia da sua vida, em mais um dia da sua existência.
Mil pensamentos ali passam, mil sensações, mil recordações. Umas trazem nostalgia, outras, amargura.
As expressões mudam conforme o sentido em que o vento transporta os pensamentos…
Uns, o vento leva-os, outros, o vento trá-los…
E a expressão delas muda.
E ela, a gaivota, interioriza o quadro estranho, misterioso, enigmático que se lhe expõe.
Ela não consegue esclarecer aquele quadro…
Ela voa, ela ri, ela canta, ela olha, Ela…
Porque não voam???
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"Folha Caída"
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Gaivota
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
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Alexandre O'Neill
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009


Nostalgia


Hoje acordei sonhando. Chovia.
Hoje acordei poesia,
Hoje acordei desejando,
Hoje, a primeira gota de ar que respirei, foi passado.
Hoje está a chover…
A chuva causa-me nostalgia, ou seja, é o sentimento que sinto quando chove.
Mas é uma nostalgia doce, serena, suave, tranquila, melada…
Pergunto-me muitas vezes, quando chove, porque tenho esse sentimento.
Aí vem a questão.
Nostalgia está, para mim, associada a saudade.
Mas está só associada. (Porque comparar nostalgia com saudade é como comparar a beira da estrada com a estrada da beira (ahahaha)).
A saudade para mim é uma mistura de perdas, mas perdas recuperáveis, resgatáveis, restauráveis…
A nostalgia encerra uma sensação de saudade de um tempo ou de uma situação vivida, ou de uma pessoa.
Esta sensação é por vezes idealizada, irreal, florida, imaginária (não é por acaso que a nostalgia depende muito do estado de espírito).
A nostalgia, é portanto um sentimento associado à melancolia originada pela lembrança, dourada, mesclada, sonhada, que se sente pela ausência e que gostaríamos de voltar a reviver…, onde o velho se mistura com o novo.
A grande diferença entre a nostalgia e a saudade é que, enquanto a saudade em presença do ente saudoso, esvai-se, acalma-se, aquieta-se, atenua-se…, a nostalgia, em presença do ente nostálgico, não diminui, pelo contrário, alimenta-se do ente e fortalece-se, aumenta, cria mais raízes, mais alicerces, mais enlevos, mais sonhos clandestinos, mais necessidades…
A nostalgia é autofágica e quanto mais alimento se lhe dá, mais ela precisa…
Quem nunca se saciou com um perfume, um sabor, um gesto, uma cor, uma musica, uma palavra?

Quando te digo tenho saudade, deveria dizer... tenho nostalgia. Não seria mais correcto?
Sei que uma tarde qualquer de um dia dez qualquer, de um mês de Agosto qualquer, vindo de um lado qualquer, numa qualquer cidade de qualquer país, aparecerá numa praça qualquer, uma qualquer nostalgia, que me fará apagar a saudade ou uma qualquer saudade que me fará aumentar a nostalgia. Aí, quem sabe, me completarei.
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"Folha Caída"
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Saudade

Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.
Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.
Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.
Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...

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"Pablo Neruda"

quarta-feira, 9 de setembro de 2009



A realidade Foi.

Durante muito tempo, era só o cumprimento, o desejo de bom dia, boa tarde, boa noite, bom fim de semana… Nada de coisas íntimas.
Um dia, vá lá saber-se porquê, a conversa prolongou-se.
Ambos quiseram saber mais um do outro.
O que gostavam, o que queriam da vida, em que situação se encontravam, onde trabalhavam, onde estudaram, o que gostavam de comer, o que gostavam de ler… Enfim, aquilo que faz falta conhecer, para que as pessoas sintam o que há de comum ou não, entre elas…
Todos os dias conversavam por longos períodos, interrompidos pelos afazeres quotidianos.
Deixou de ser conversa de circunstância. Passou a ser conversa mais profunda.
Trocaram fotografias…
Mas, não se conheciam pessoalmente. Tratavam-se por você.
Mas fumavam juntos… e até café partilhavam…Depois,
Durante algum tempo foi conversa de sedução.
Trocaram gostos sobre sobremesas, sobre desejos, não sei porquê, mas frequentemente envolvendo comida, bebida, mesas de jantar…
Encenaram o que poderia ser um encontro, entre os dois, como se um e outro, fossem as melhores companhias do mundo.
São transportados para um “ambiente lindo, de pouca luz, com velas aromáticas a despertarem sentidos e uns belos gin’s já bebidos, a desinibir atitudes” No final descobrem que foi uma brincadeira.
Um dia… melhor, uma noite, a conversa evolui, creio que ainda na brincadeira, e começa uma cena de teatro, com actos e tudo.
Ele chega. Encontram-se num local sem muita confusão… discreto… apercebem-se que são eles. Dão um beijo… Apresentam-se.
Depois de um jantar muito agradável, resolvem tomar uma bebida num lugar qualquer. Tem com ela uma garrafa de vinho tinto e dois copos. Após negociação vão ao sítio escolhido tomar um copo e ver as estrelas. A conversa está agradável, a noite quente, a lua está cheia, o vinho começa a fazer efeito.
“Arriscas ou não?
Mas pelo menos lembra-te de mim de vez em quando…
Arrisco e não desapareço, eu prometo que não!!!!!!!!!!!! Atreve-te!”
À entrada, há pétalas de rosa branca espalhadas pelo chão que ela amachuca com os pés, salpicados com areia da praia.
O seu cabelo roça a boca dele e foi escolhido um sítio lindo, rodeado por um tabuleiro de xadrez, separado por oliveiras.
Caminham de mão dada como se o namoro os acolhesse.
A noite continua clara e o céu estrelado entre dois cigarros fumados, no intervalo de um sonho e no jogo de xadrez que paira por baixo deles.
E vem mais um cigarro. E mais uma partida daquele xadrez, que te olha como se tu não o visses, ali quieto e calmo à espera de outro cigarro… E foram mais.
A noite continua clara e luminosa. Ao fundo, o escuro de quem não quer ver, nesse momento, o que está para além das estrelas.
Foi estranho. Foi diferente. Foi a surpresa. Surpresa, sim. Não foi o sonhado. Não foi o desejado. Foi simplesmente. Foi.
Claro que sendo um sonho, uma construção, não poderia ter sido melhor. O sonho tem a característica de nos empurrar para aquilo que desejamos e construímos com a nossa mais íntima e por vezes inconfessável fantasia.
Mas um sonho, sonhado sozinho, é um sonho. Um sonho, sonhado a dois, é realidade. E a realidade Foi.
Não teve dois copos, não teve uns gin’s já bebidos, não teve pétalas brancas nem grãos de areia, nem todo o enleio antes trocado.
A realidade Foi.
Hoje não há sedução, não há longas conversas, não há partilha, nem risos nem brincadeiras, não há tempo, não há a vontade que chegue, não há o intervalo dos afazeres, não há enleio, não há a esperança de um gesto que hás-de fazer, não há jogos de xadrez, não há Sonho.
Os sonhos são sentimentos, que não se podem prender, qual cavalo selvagem que dificilmente se domina.
São como rios que sempre chegam ao mar, ainda que construídas várias represas.
São com as estradas sem sinalização que te alerte para os perigos.
São como o vento que nada nem ninguém consegue deter.
Fazem tanta falta como o fogo, que queima, mas que todos precisamos sentir.
Os sonhos são sentimentos que florescem no coração, qual rosa branca, a das pétalas que nunca existiu, e que por vezes deixa os seus espinhos.
Por isso são sonhos.
A realidade é bem outra. Até porque o sonho é comummente um acto solitário e a sua materialização, neste caso, é um acto a dois.
Não depende de um só sonho. Depende da comungação de dois sonhos, que dificilmente se transforma num sonho comum.
Hoje li e reli. Fechei meus olhos e queria trazer o sonho de volta. Tive saudade daquele sonho. Fez-me bem ter saudade. Não, não sou fraca nem revivalista. Sinto saudade e essa saudade faz de mim um ser humano em crescimento.
Há sonhos que merecem ser ressonhados. Este merecia.
"Sonhar é acordar-se para dentro". (Mário Quintana)
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"Folha Caída"

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Noite de Sonhos Voada

Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...

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"Manuel da Fonseca"

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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Não tenho tempo…

Frequentemente, egoisticamente, estupidamente, digo “não tenho tempo”.
Não tenho tempo para ir ver a mãe, não tenho tempo para ligar a um amigo e dizer-lhe que gosto dele e saber se está bem, não tenho tempo para ir visitar o meu médico e verificar se a saúde está bem, não tenho tempo…
Hoje, e desde há alguns dias, tenho tempo…
Não tenho sim, paciência.
“Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com os nossos pensamentos. Com os nossos pensamentos fazemos o nosso mundo” “Buda”.
Aceito esta frase na íntegra.
Mas ela obriga-me a um exercício de confissão.
Hoje vou escrever sem alegorias, sem segundos sentidos, sem magia.
A religião, enquanto conduta espiritual, não me diz nada. Não acredito em Deus. Naquele Deus que nos motivam a acreditar… Acredito sim no meu Deus. E dele não vou falar.
Ontem, estive numa igreja. Não fui à missa. Mas ela, a missa, estava a decorrer e como para mim, sempre tive presente que, qualquer coisa que ouça serve-me sempre para alguma coisa, não fechei os ouvidos à palestra do padre.
Dizia ele, o padre, que há dois tipos de pessoas más. As que são más e que nada fazem para ser melhores e as que são más mas que trabalham e se esforçam por não o ser.
Esta alusão para voltar à frase atribuída a Buda.
“Somos o que pensamos (..)”
Esta frase eleva-nos a uma tomada de atitude, a uma manifestação quase física de nós mesmos e não a uma tradução à letra da mesma.
Somos sim aquilo que decidirmos ser… O produto daquilo que queremos ser, que pode ou não ser o resultado de um processo de transformação que origina um ser diferente.
Se somos aquilo que pensamos, nesta minha interpretação, então eu tenho que melhorar…
Tenho que ter mais tempo.
Tenho que ter tempo para mim, para ti, para nós…
Tenho que ter tempo, ou melhor, porque também acho que estou a ser um pouco injusta comigo, tenho que ter Mais tempo.
Tenho que ter tempo para estar com algumas pessoas que amo e não tenho estado o suficiente, e que pertencem à minha intimidade, logo não vou revelar…
Tenho que ter tempo para olhar as estrelas, tenho que ter tempo para saborear um gelado à beira mar, tenho que ter tempo para ver aquele filme, tenho que ter tempo para olhar aquele por do sol, tenho que ter tempo para te fazer aquela carícia, tenho que ter tempo para ler aquele livro, tenho que ter tempo…
Ter, não… Ter mais.
Creio que pertenço àquele grupo de pessoas que quer, mas ainda não quis tanto, que fez…
Mas também creio que estou caminhando.
Hoje, e desde há alguns dias tenho tempo.
Não tenho sim, paciência.
Mas creio que estou perto de ter tempo, paciência e concretizar.
Assim, estarei no caminho para ser um Ser Humano melhor.
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"Folha Caída"
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Sonhe
Sonhe com aquilo que você quiser.
Vá para onde você queira ir.
Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar, duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.
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Clarice Lispector
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sexta-feira, 24 de julho de 2009

Maktub

Bateste à porta na madrugada de um dia estranho.
Mas bateste à porta, sem pedir autorização.
Eu entreabri a porta dos meus olhos e por entre a cortina das minha pálpebras foste espreitando, sentindo, fumando, cheirando, olhando, perfumando, saboreando.
Utilizaste-os todos, sim a eles:
- Os sentidos…
Abri a porta…
Espreitaste, olhaste, sentiste, fumaste, perfumaste, cheiraste e saboreaste, entraste.
Falaste, falámos, respondi e tu não.
Falei, senti, cheirei, fumei, saboreei evadiste e eu não.
Foste.
Foste e enigmaticamente ias e vinhas…
Eu fui ficando.
Eu fui sonhando
Eu fui fumando.
Eu fui fechando a porta de meus olhos e por fim a cortina das minhas pálpebras quase se tinha colado.
Fechei a porta.
As pálpebras fecharam e as suas sedas deixaram de deixar entrar a luz. Aquela luz!
Outras luzes entravam, e a sensibilidade à luz, à tua luz, tinha deixado de existir.
Bateste à porta…
Desta vez anunciando-te…
Entreabri e porta e de súbito abri-a.
Entraste.
Já não espreitaste!
Entraste e abri o meu porto de abrigo.
Desarrumaste docemente a minha vida e eu docemente deixei, e mesmo docemente desejei, porque no meu porto de abrigo só entram veleiros que têm vela colorida.
Para desfrutar de um veleiro com vela colorida é preciso amarar…
E tu amaraste!
O veleiro tem vela colorida, de várias cores, de muitas cores, sem preto nem branco. Essas são simplesmente características da luz. Mas é um veleiro com vela colorida.
A cama está desfeita, desfeita sim e não a voltei a faze-la.
Mas mesmo desfeita, ela está por fazer…
Ela foi e é a banheira da tua água e a cuba da tua fadiga.
Maktub que um dia ela era desfeita!
Maktub que um dia batias à porta!
Maktub que um dia eu fechava a porta!
Maktub que um dia voltavas a bater!
Maktub que um dia eu voltava a abrir a porta!
Maktub que um dia ela era desfeita!
Maktub que um dia…
Maktub

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"Folha Caída"
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Quero um cavalo de várias cores

Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.
Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.
Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.
Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sózinho

Sem um cavalo de várias cores?

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Reinaldo Ferreira

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sábado, 18 de julho de 2009


Nota:
Esta construção ( não me atrevo a chamar-lhe texto) está uma treta...
O português está ranhoso...
Mas é mesmo assim...
É a construção de uma desconstrução.
As ligações a preto, são a tentativa de dar algum sentido à coisa...
Nem sempre conseguido. Mas, olha como é só para brincar...
Que alguém que se reveja aqui corrija... ahahahaha.
Se tiver coragem...
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A vida dá muitas voltas…
E
Quando fazemos planos
Tudo muda,
Sem controlares nada!

E então
Tonta!
Olha e
Define bem!!!
Se
Nunca serei uma folha caída!
Não
Desculpa.
Mas
Ainda gosto de tu!
E
"Esse gesto eu sei qual é,
Mas se o disse já não é…"
Mas assim mesmo...
Obrigado pela ramela.
Que
Tive tanto trabalho a esconder...
E era
Para encontrares os defeitos
Mais tarde, mas
Tu foste uma brisa maravilhosa que senti no peito quando todas as janelas estavam fechadas.
E então...
Queria ter mais do que tive e agora nem ter o que tive posso!
Mas como
Sei fazer traços e linhas
E
Eu é que mudei a equação
Porque
Gosto mais do perna de pau…
Uma vez que
Tem morango!

Mesmo quando
Umas mil vezes já me passou isso pela cabeça
Que é
Uma característica
Que
Um dia
Uma manhã
Uma tarde
Uma noite
???
Ou
Mês e meio…
Que é pouco,
Mas podias levar-me ao teu esconderijo
Porque
Ainda custa mais!!!
Porque
Estavas cheia de medo
Que
Até tive medo de te tocar.

E
Sim.
Fui parvo,

Fui
Tretas,

Fui
Medricas.
Mas
O teu discurso foi estimulante
E
Surpreende-me,
Isto
Porque pensei mal
E então
Contigo vou onde me levares
Porque
Isto é passado
Sendo que
Esta historia não foi fácil pra mim
Nem
Só pra ti ...
Foi
Aqui e aí.
Porque
Julgas que me esqueci de ti

E então doi mas
Não é ferida

É
O meu coração

Ora…
E eu dei tudo
Tudo ou todo?
???
Todinho
Ah
Bem!!!!

Sim ou não?
Não
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"Folha Caída"
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Voltaste

Voltaste numa noite em que estava vento. Eventualmente por isso…
Vieste com ele. Vieste trazer-me o cheiro daquele perfume que tão pouco senti, mas que se entranhou em mim a ponto de ainda hoje cá estar.
Está, não sei se nas minhas vestes, se na minha pele, se na minha mente.
Mas voltaste e eu deixei que voltasses…
A vida tem destas coisas…
Voltaste trazendo o doce do mel da abelha ainda no favo.
Voltaste quando já não te esperava, ainda que lá bem fundo eu tivesse a certeza que voltarias. Não sabia quando nem como. …mas que voltarias. Quem sabe?
Voltaste e foste mais do que tu.
Voltaste e ofereci-te o meu ombro. Sabia que precisavas… Aceitaste.
Mas precisavas para quê?
Ainda não sei.
Abriste o teu coração, foste mais do que tu.
Eu também disse mais do que costumo dizer…
Também precisava que voltasses…
E porque voltaste agora?
Voltaste quando não deve haver volta?
Mas não pudeste voltar antes, não foi?
Porque quando vieste já não podias vir não era?
Mas vieste. E depois tiveste que ir…
E foste deixando rasto, deixando cheiro, deixando um dia por viver, deixando um caminho por percorrer, uma terra por cheirar.
Mas, como intransitivo que és, voltaste, regressaste, viraste, reapareceste (intransitivo? Tu ou o verbo? Sei lá).
Como transitivo que também és, voltaste à posição anterior…
Mas voltaste e voltaste duas vezes, transitivo e intransitivo…
Como a gramática é interessante!!!!
Olha, transitivo e intransitivo, fica! Está bem?
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"Folha Caída"
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LETRA PARA UM HINO
É possível falar sem um nó na garganta
É possível amar sem que venham proibir.
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão.
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não!

É possível viver de outro modo.
É possível transformar em arma a tua mão.
É possível viver o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre, livre, livre.
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Manuel Alegre, "O Canto e as Armas"
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sábado, 27 de junho de 2009


Uma busca incessante

Um dia conheci uma mulher, da minha idade, mais ano menos ano.
Não sei bem a sua idade e também não é relevante.
A idade, ainda que a marca dos anos lá esteja, porque fisiologicamente, eles, os anos, são eles mesmos, (trezentos e sessenta e cinco dias vezes n.), depende dos comportamentos e muito da personalidade de cada um…
Quantas vezes já vimos jovens velhos e velhos jovens?
Conheci essa, que depois foi, amiga, ou melhor, penso que vou conhecendo…
Fui conhecendo… fui gostando… fui não gostando… fui adorando… fui detestando... fui admirando… fui ficando revoltada com as suas atitudes… fui-me afastando…fui ficando com ela…
Um conjunto de sentimentos, uns contraditórios outros nem tanto… Mas não a fui perdendo de vista até hoje…
Quando me comecei a relacionar mais com ela, soube algumas coisas a seu respeito.
Era uma pessoa que, no padrão da nossa sociedade ocidental, era considerada normal…
O que é a normalidade?!
Tinha a sua vida sem extravagâncias… Seguindo os padrões de vida normal… Mais ou menos certinha.
Tinha os seus amigos, o seu emprego, a sua família, e considerava que tinha tudo.
Um dia, sentadas no café (palavra com pelo menos dois sentidos), onde bebíamos mesmo um café, começamos por falar da vida.
O que era a vida, para que servia a vida, o que se esperava da vida, o que esperávamos da nossa vida, sim da nossa… eu da minha e ela da dela, qual o sentido que lhe dávamos, qual o sentido que aqueles que também estavam naquele local lhe davam, o que sentiriam em relação à vida, caso lhes perguntássemos…
Esta conversa durou horas… E ainda hoje lá estaríamos se quiséssemos chegar a conclusões definitivas…
Nesse dia conheci-a melhor… E penso que a ajudei a conhecer-se também melhor a si mesma…
Pretensão minha? Quem sabe…
Hoje voltei a sentar-me com ela no mesmo café.
Já passou algum tempo sobre aquela nossa conversa.
O que mudou?
O que mudou nela?
Que mudou em mim?
O que mudou naquilo que eu pensava dela?
E no que eu pensava de mim mesma?…
Sim, porque as conversas que se têm sobre qualquer tema, desde que conversas, excluindo aquelas a que vulgarmente se aplica a frase “deitar conversa fora”, têm como corolário a troca de ideias, que leva a consciencializações e a aprofundamento de conceitos.
Creio que depois de uma conversa como a que costumo chamar de “higiénica”, cada um dos intervenientes não permanece como antes… Algo muda.

Aumenta o conhecimento… aumentam as duvidas, outras se dissipam…
Nada fica como antes, até porque o tempo “rola”.
Lá estava o café. Não o mesmo! (nem o café é o mesmo!…)
Mas parecido.!
Voltámos ao mesmo tema.
Sim. Estamos diferentes…
Ela, porque é dela que vou atrever-me a falar…
Eu gosto dela. Acho que somos amigas… e por isso vou atrever-me.
Ela está muito diferente.

Diferente, mas
Muito mais baralhada. Acordou?
Creio que sim…

Mais complicada?
Creio que sim…
Porquê?
Porque se questionou, pôs em dúvida, arriscou, assumiu, experimentou, pensou, atreveu-se…
Está mais feliz?
Não creio.

Mas de uma coisa tenho certeza. Já sentiu muito bem a diferença entre estar muito bem e estar muito mal. Antes, só sabia estar…
Tudo isto porque me apetece tecer algumas considerações acerca do que qualquer um de nós que viva, de onde excluo aqueles que deixam a vida passar por eles, ou que passam pela vida, busca no dia-a-dia.
É uma busca incessante de quê?
Não sei.
Já me perguntaram o que procuro eu na vida, e de certeza que esta pergunta já foi feita a todos vós em qualquer altura e que cada um de nós já fez a si mesmo.
Muitas respostas a esta pergunta conduzem a: “a Felicidade”, considerando o patamar mais ambicioso que a vida nos proporciona.
Vou ironizar ou não, atrevendo-me a dizer que o problema da incessante busca da Felicidade está na palavra. Na palavra enquanto conceito, sinónimo, definição, e na necessidade que o ser humano tem em dar nome às coisas…
O dar nome às coisas, ainda que a sentimentos, conduz-nos à necessidade de as tocarmos, sentirmos, palparmos…e experimentarmos ou decidir não experimentar….
E daí, com definições, surge a mensurabilidade.
Ou seja, surge-nos a ideia de que, o que existe e tem definição, é palpável.
O que é palpável é mensurável. Se é mensurável, surgem as comparações e os padrões…
Mas esquecemo-nos que, nem tudo o que “tem nome” é palpável, mensurável…
Qual a unidade de medida do amor, da amizade, da dor, do sofrimento e da Felicidade?
Eu não sei. (sem recorrer à poesia…)
A nossa conversa continuou, agora já com outras variáveis, porque estamos diferentes, pensamos diferente, sentimos diferente, e vemos diferente.
Afinal que procura ela? Que busca é a dela?
Ela mesma assumiu. Não sabe o que procura, mas sabe que procura. Anda em busca do “Nada”.
Mais uma vez me vou atrever… Correndo o risco de ouvir dizer: Pois… “faz o que eu digo e não faças o que eu faço!”.
O que se busca? Nada se não soubermos o caminho…
Alguém um dia disse mais ou menos isto: “Se não souberes o que procuras… qualquer caminho serve…”
Não. Não pode ser.
Para se saber o caminho, há que ter e definir duas coisas.
Acção e vontade.
Vontade de rir, de chorar, de conhecer, de falar, de transmitir, de evoluir, de dar a conhecer, de escrever, de ler, de pensar, de ouvir, de mexer…
Vontade que levará à Acção, à tomada de posição.
A concretização destas duas variáveis, a meu ver, levam à definição do caminho.
Definido o caminho, sei “ a estrada que devo tomar”.
Essa “estrada” tem um destino…
Mas, não é tão linear…
É muito mais complicado.
Os Terráqueos estão Loucos… Sim Loucos… e Eu também…
Estamos impregnados de correrias, manias, birrices, maluquices, burrices, excessos, fobias, alergias, e uma quantidade de ias, ices, e essos.
O ser humano possui a capacidade de experimentar sentimentos bastante variados. Mas na realidade, esse conjunto de sentimentos resumem-se a dois, e desses dois emanam, como consequência, os outros. É o Medo e o Amor. (teria que escrever muito para defender esta afirmação, mas não o vou fazer… Concorde-se ou não, esta é a minha opinião e não a vou comentar).
Como nada disto tem receita, como o ser humano é uno, a busca incessante pela Felicidade continua…
“Por que todas as eminências em filosofia, política, poesia e artes carregam tanta melancolia?”, diz um clássico texto grego atribuído a Aristóteles.
O que seria de génios como Beethoven, Van Gogh e Emily Dickinson sem um bocado de desilusões e infelicidade ?
Vou um dia (…) perguntar a Vinicius de Moraes e Tom Jobim, porque “tristeza não tem fim, felicidade sim”?
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“Folha Caída”
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Vivo na esperança de um gesto

Vivo na esperança de um gesto
Que hás-de fazer.
Gesto, claro, é maneira de dizer,
Pois o que importa é o resto
Que esse gesto tem de ter.
Tem que ter sinceridade
Sem parecer premeditado;
E tem que ser convincente,
Mas de maneira diferente
Do discurso preparado.
Sem me alargar, não resisto
À tentação de dizer
Que o gesto não é só isto...
Quando tu, em confusão,
Sabendo que estou à espera,
Me mostras que só hesitas
Por não saber começar,
Que tentações de falar!
Porque enfim, como adivinhas,
Esse gesto eu sei qual é,
Mas se o disser, já não é...
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“Reinaldo Ferreira”
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domingo, 21 de junho de 2009

E o tempo? E o sonho? E o peixe?

Desde sempre que nós, os desta Era, fomos habituados a considerar a sequência do tempo como se de um rio se tratasse, que corre desenfreado pelas suas margens, sempre sem interrupções.
Raramente ou nunca, paramos para pensar sobre o sentido do tempo, o tempo aqui, visto como uma sucessão dos dias.
No século XVI, o calendário foi ajustado, tendo-lhe sido retirados dez dias.
Sim…!
Foram retirados do calendário os dias que medeiam entre o dia 4 de Outubro e o dia 14 de Outubro de 1582.
É estranho não é?
Mas é verdade.
Este “roubo” foi decretado por uma bula papal e que vigorou por toda a Europa católica, sob a influência do papa, logo, também em Portugal.
Foi estranho? Como terá sido?
Não interessa agora…
Mas que o calendário mudou, mudou!
Até essa data, a data do “roubo”, o calendário que vigorava datava do tempo de Júlio César, líder romano. O chamado Calendário Juliano.
O calendário Juliano tinha desajustes, porque estava manifestamente em desacordo com as observações astronómicas.
Ao que é defendido e aceite, é o céu que rege a marcação do tempo. São as regularidades astronómicas que constroem o calendário. Assim,
O ano corresponde ao espaço de tempo que a Terra demora a dar uma volta completa em torno do Sol (mas afinal Ela move-se…).
O mês corresponde aproximadamente ao espaço de tempo que a Lua demora a dar uma volta completa em torno da Terra.
A semana corresponde aproximadamente ao espaço de tempo que demora cada fase da Lua – Quarto Crescente, Lua Cheia, Quarto Minguante e Lua Nova). E,
O dia é o tempo que a Terra demora a dar uma volta completa em torno do seu próprio eixo.
Então, O papa Gregório XIII, com os peritos em seu redor, decidiu redigir uma bula que fez “eclipsar” (para usar um termo à “altura”) os tais dez dias do calendário. Passámos a reger-nos pelo Calendário Gregoriano, que é aquele que hoje vigora.
Porquê Outubro e não outro mês qualquer?
Em Outubro a festas religiosas estavam “quase de férias” e assim não se suprimia nenhuma… (Estamos a falar de uma atitude papal…).
Como é sabido, o ano não tem exactamente 365 dias, ou melhor, o tempo de translação da Terra não é um múltiplo inteiro do seu tempo de rotação.
Daí que o calendário na nossa Era, possui anos bissextos, em que se acrescenta um dia a mais no final de Fevereiro, de quatro em quatro anos.
Mas mesmo esta manigância não chega para resolver o problema, pelo que alguns anos que deviam ser bissextos não o são, fazendo-se assim um outro pequeno ajuste do calendário à astronomia.
Se, por acaso, vivêssemos à volta de uma outra Estrela e tivéssemos um outro Satélite Natural, como seria o nosso calendário? E as nossas unidades de tempo? Decerto bem diferentes!
(Recordo aqui o livro, muito interessante e que me foi emprestado e que eu tomei por meu, depois de tu, Henrique, teres desaparecido estupidamente da minha vida. Se fosse só da minha vida… eu estaria feliz, porque ainda assim, existias, fazendo felizes de certeza algumas pessoas que contigo estivessem…
Mas desapareceste estupidamente da vida de todos nós. Foste sem pedir autorização, sem te despedires. Foste e deixaste um grande vazio. Pelo menos em mim. Um vazio que jamais será preenchido. Mas foste, e assim mesmo, no tempo que partilhámos, fui muito feliz contigo. Foste o MEU Grande AMIGO.)
Mas voltando ao livro, que tomei por Meu, “Tibaldo e o Buraco no Calendário”, de Abner Shimony. Neste livro é feita toda esta explicação - alteração do calendário - e narrado ao mesmo tempo a história de um menino, a quem a bula papal, roubou o seu dia de aniversário (…)
Era 1 e tal.
O telefone toca.
Será que é verdade?
É mesmo…
Está tudo louco!
O mundo está louco.
Nós estamos loucos.
Tu estás louco. E,
E já agora, eu também!
Era quinta-feira.
Mais uma quinta-feira de uma semana qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer, mas Gregoriano.
A Lua, primeiro não se via, depois, apareceu timidamente, lá longe, muito pequenina. Como eu. E porque não como tu também… Sem assumirmos … Como nós!
Mas era quinta – feira. Não. Já era sexta-feira. Já passava da meia-noite!
Continua-se com a mania de que o dia só passa quando dormimos… Será?
Não!
O calendário é implacável. À meia-noite de cada dia, Ele passa. Passa mesmo. Quer tu queiras quer não… (…) 17, 18, 19, 20 (…) até 28, 29, 30 ou 31.
Mas era sexta-feira e havia muita água. Mas sabes que por baixo daquela ainda havia mais?
Como será que se desloca um cardume de peixe?
Desloca-se todo à superfície ou por baixo daquele cardume existe outro?
Não sei!
Queres descobrir comigo?
Se sim…
Vamos a isso!
Eram mais ou menos sete horas da manhã.
De sexta-feira. O dia no calendário passou. Mas não dormi. Será que sonhei?
Porque o dia passou!
Continua-se com a mania de que o dia só passa quando dormimos…
Então dormi e sonhei.
Diz-me que não!
Vamos descobrir como se desloca um cardume de peixe.
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"Folha Caída"
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O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

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"Mário Quintana
"
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segunda-feira, 8 de junho de 2009


Decidir…

Um dia disseram-me que mais valia uma má decisão do que não decidir.
Concordo?
Talvez sim…?
Ou talvez não…?
Quando se decide, toma-se uma posição. Muda-se alguma coisa, ou muita coisa.
Como essa tomada de atitude, pode mudar-se o rumo da nossa vida, pode ficar-se mais feliz (sentimento efémero), pode ficar-se menos feliz (também efémero), pode ficar-se mais descontraído, mas livre, mais limpo, mais solto, mais de bem consigo mesmo, mais de bem com os outros… enfim, um conjunto muito grande de sentimentos, que se alteram.
Para melhor, nuns casos. Para pior em outros.
Igual é que não.
A decisão ou o facto de decidir, não é tarefa fácil, daí a falta de atitude de muitos nós e a acomodação.
Mas por vezes há mesmo que decidir, em prejuízo de muitas coisas boas e muitas vezes em prejuízo mesmo do que chamamos e consideramos a nossa “felicidade” e o nosso bem-estar.
Mas, por vezes é preferível decidir e considerar que atirámos algo de bom “pró” espaço, do que mais tarde nos aperceber-mos que somos indignos, irresponsáveis, egoístas, imaturos e até hipócritas…
Decidir… sim, mesmo que me doa,
Decidir… sim, mesmo que doa ao outro,
Decidir… sim, mesmo que fique infeliz,
Decidir… sim, mesmo que fique triste,
Decidir… sim, mesmo que chore,
Decidir… sim, mesmo que faça chorar,
Decidir… sim, mesmo que pensem que sou irresponsável,
Decidir… sim, mesmo que pensem que sou egoísta,
Decidir… sim, mesmo que me condenem,
Decidir… sim, mesmo que me repreendam,
Decidir… sim, mesmo que me violente,
Decidir… sim, mesmo que me contrarie,
Decidir… sim, mesmo que me arrependa,
Decidir… sim, mesmo que não possa voltar atrás,
Decidir… sim, mesmo que me julguem,
Decidir… sim, mesmo que seja mal decidido.
Afinal… mais vale uma má decisão do que não decidir!
E já agora… Força para as consequências.

De uma coisa estou certa.
Quando se decide, decide-se e nada volta a ser igual... Melhor? Pior?
Igual é que Não.
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"Folha Caída"
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"A rosa não tem "porquês". Ela floresce porque floresce".

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"Angelus Silésius, místico medieval."

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Quase um poema de amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor

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"Miguel Torga "

quarta-feira, 27 de maio de 2009


Pergunto-me...

Pergunto-me às vezes porque as pessoas entram na minha vida.
Pergunto-me às vezes o que vêm elas cá fazer.
Pergunto-me às vezes porque umas vêm de mansinho, entram, instalam-se e ficam.
Umas ficam muito tempo (para a vida) outras vem, entram também de mansinho, instalam-se e de um momento para o outro jornadeiam-se.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que entram na minha vida de rompante, mexem, remexem, apropriam-se, sem autorização e sem pedir licença, e depois saem também de rompante.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que entram na minha vida de rompante, mexem, remexem, apropriam-se, sem autorização e sem pedir licença, e depois, mais tarde, pedem autorização e licença, acomodam-se, aninham-se, aconchegam-se e ficam.
Pergunto-me às vezes qual o papel de cada uma delas na minha vida, ou melhor, qual a função que vêm desempenhar. Se entram na minha vida, qualquer que seja o modo de permanecer, de certeza que vêm cá cumprir alguma tarefa.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que não desaparecem da minha vida. Não quero, de modo nenhum, dizer que estou farta delas ou que não me fazem falta, mas simplesmente porque não desaparecem.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que, neste momento, porque também este meu desejo é efémero, eu queria que estivessem, permanecessem ou residissem na minha vida e, ou se foram ou não chegaram a vir.
Considero que nada acontece por acaso, tudo acontece por algum motivo, com algum objectivo, mesmo que este me seja desconhecido, no momento ou para sempre.
Deixo algum exercício de pensamento.
Se entram na minha vida e ficam.
Se ficam, podem ficar para sempre, por muito tempo ou por pouco tempo.
Se ficam para sempre, será que são indispensáveis ao meu viver? Será que lhes está destinado acompanhar-me como se parte de mim se tratassem? Será que a sua existência também só faz sentido comigo por perto? Será que precisam tanto de mim como eu delas?
Se ficam por muito tempo, será que ficam o tempo necessário para cumprir alguma tarefa de aprendizagem, de mensagem, de ensinamento, quer delas, quer minha? Cumprida a tarefa vão embora? A tarefa era uma tarefa complicada, audaz, que requeria algum tempo?
Se ficam por pouco tempo, será que a sua entrada na minha vida foi só um capricho seu? Será que foi um desafio egoísta? Será que foi a demonstração de uma capacidade sua? Será que foi um engano?
Se entram na minha vida e me abandonam, pode ser por dois motivos. Ou porque morrem ou simplesmente mudam de lugar, saem da minha vida, mantendo a sua existência.
Se morrem, saem definitivamente. E aqui, será porque cumpriram a sua tarefa junto de mim? Será que foram inaptos para o desempenho dessa tarefa? Será que foram prejudiciais à minha existência? Será que foi castigo?
Aqui ressalvo a questão do desaparecimento físico. Porque nem sempre com o desaparecimento físico ausenta-se também o emocional, o intelectual, a essência do ser.
Se mudam de lugar simplesmente, será porque não gostaram da entrada? Será que não gostaram da permanência? Será que se cansaram? Será que se decepcionaram? Será que cumpriram a sua tarefa e ela era somente deixar algumas sementes que me permitissem continuar a florir?
Mas por muitas dúvidas que tenha acerca das entradas, permanências e saídas de pessoas da minha vida, quer a união seja de amizade, de amor, parental, laboral, ou outra, creio que de uma coisa não tenho dúvida. Todas essas pessoas vêm, vieram e virão, preencher uma necessidade. Uma necessidade minha e uma necessidade delas também.
Preenchidas que estão essas necessidades, cumpridas essas tarefas, mais cedo, mais tarde ou nunca elas me abjuram.
Pela ausencia de umas sinto uma dor insuportavel, pela de outras uma dor muito grande, pela de outras uma dorzinha, pela de outras é indolor, e pela de outras nem me apercebo.
Será por tudo isto que eu sou uma pessoa coberta de características? Umas boas, umas menos boas, umas más, dependendo de cada análise feita.
Será que foram, são e serão, todo este conjunto de pessoas, que construíram, constroem e construirão a minha personalidade? Creio bem que sim.
Será que não sou perfeita, porque nem todas as pessoas que cruzaram o meu caminho desempenharam eficazmente e de boa fé o seu papel? Creio que ninguém desempenha desse modo o seu papel. Se assim fosse havia pessoas perfeitas!
Mas de uma coisa também tenho a certeza. Eu não sou a mesma ANTES e DEPOIS DELAS.
A TODAS, mas a todas mesmo, o meu OBRIGADA.
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"Folha Caída"
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Existir é Ser Possível Haver Ser

Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível - a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
- Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino
- Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstractas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo,
Por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa!
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim,
Com a substância essencial do meu ser abstracto
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
(…)
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.

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Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa