Era perto da meia-noite, a chaminé fumegava, o sapato estava a preceito, a musica tocava lá no fundo… bem baixinho. Eu, criança, esperava que algum sorriso viesse pela chaminé.
Chegou.
Chegou sem ser esperado.
Esperado? - Não! Nem um pouco.
O sino tocou no quarto. Fui ver. Estava frio. Foi engano.
Não…
O sino tocou mesmo! Resplandeceu de brilho de uma noite de natal. Noite de natal, em que está proibido proibir.
Noite de natal, onde o mundo parece diferente.
Noite de natal, onde o mundo e as mentes estão abertas a aceitar sonhos e dúvidas.
Tilintou e olhei para a roupa ainda quente, ali tão perto.
Estás proibida de proibir, ainda que por uns instantes.
Foi fácil, ela ainda estava quente, a noite estava fria...
Estava frio, mas o suor escorria pela fronte, ainda em dúvida se ele tinha mesmo tocado.
Mas como é noite de natal e na noite de natal o mundo é melhor e cheio de sonhos…
É loucura? – É! Mas não tenho eu o direito à loucura? Ainda que seja na noite de natal?
Sim. Tenho!
Corria riscos?! – Sim corria. Os mesmos riscos corridos há meses atrás, numa partida de xadrez. Esses tinham sido combinados ao pormenor, medidos, questionados, acordados…
Estes não! Mas eram sabidos, logo mais exigentes e menos desculpáveis, mas mais imaginários, porque tudo era, ainda, imaginação.
Mas o sino tocou... Tocou e fui atrás daquele fio de melodia que somente chegava a meus ouvidos.
Onde?
No lugar do costume, ouvi dizer do fim daquele fio melodioso.
No lugar do costume! Estou só. Eu e o mar que bate nas muralhas como que a prolongar os muitos sussurros, choros e risos. Ele, o Pedro, tinha-me dito: “Andas à procura de amor no sítio errado”.
Saboreei a tua chegada ou simplesmente olhei-te com olhos de luar, somente aqueles que te conhecem…
Que fazer?
Não tive tempo. Fui enlaçada docemente, com um sabor a mel, só possível porque era noite de natal. As tuas mãos grandes, enormes, rodearam-me a cintura, como que querendo sentir que eu era de verdade, mãos que pareciam conhecer bem as marcas do meu corpo.
Senti-me pequena, quase partida a meio.
O banco do jardim estava coberto pelas lágrimas do céu.
Foi tudo tão real, tão nítido, tão objectivo e… tão sonhado, tão mítico, tão idílico, que surge o medo de que aquele momento se estilhassasse e onde o espelho da alma estava prestes a nublar.
Foram horas de trocas, de sensações, de toques, de carícias, de olhares, de sonho, onde vi na tua boca bem traçada, a linha do horizonte, e onde fui beber o ouro da tua fonte.
Perguntei-te se gostavas de dançar. Respondeste dormindo, que sim e...que gostavas muito de mim.
Beijaste meu corpo de pedra quente e marfim, mais quente que o sol tropical, com boca e língua de maresia.
Foste o meu menino jesus.
Negaste.
Reafirmei. Voltaste a negar.
Pediste desculpa.
Disseste pela enésima vez que…gostavas de mim.
Foste o meu menino jesus.
Voltaste a negar.
Que fazer? – Não sei.
Foi talvez, só imaginado, ou aconteceu e foi demais?
A magia, porque magia do natal, veio verme. Creio que pela primeira vez.
Ali esteve a magia, a doçura, a distância ausente e presente.
Explicaste a ausência da presença, por feitio próprio.
Repetiste frases do xadrez.
Já me habituei com carinho, às migalhas da doçura que me deste.
Foi necessário vir o menino jesus para me dizer que a ave que há em ti precisa voar, que não tem ninho por perto, até porque, voar é preciso!
Precisas voar… e saltar…ao sol e em qualquer primavera…
O menino jesus mostrou-me o caminho.
Mas como é natal, eu gostei de saborear, salivar, degustar e digerir saudosamente, alegremente, felizmente as tuas migalhas, tamanho do pão do mundo, que me alimentaram desde o Verão.
Acho que, com as tuas migalhas, fiquei forte, robusta e leve. Assim também eu posso voar.
Vamos voar juntos?
É dia de natal.
O meu coração sorri;
A minha boca sabe a mel;
As minhas mãos ainda estão quentes;
O meu olfacto detecta o teu cheiro;
Os meus olhos fechados vêem o brilho da lua e sentem o calor do sol.
Foste!?
Vai… Com muito amor
Obrigada menino Jesus.
Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
"Pablo Neruda"