Pergunto-me às vezes o que vêm elas cá fazer.
Pergunto-me às vezes porque umas vêm de mansinho, entram, instalam-se e ficam.
Umas ficam muito tempo (para a vida) outras vem, entram também de mansinho, instalam-se e de um momento para o outro jornadeiam-se.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que entram na minha vida de rompante, mexem, remexem, apropriam-se, sem autorização e sem pedir licença, e depois saem também de rompante.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que entram na minha vida de rompante, mexem, remexem, apropriam-se, sem autorização e sem pedir licença, e depois, mais tarde, pedem autorização e licença, acomodam-se, aninham-se, aconchegam-se e ficam.
Pergunto-me às vezes qual o papel de cada uma delas na minha vida, ou melhor, qual a função que vêm desempenhar. Se entram na minha vida, qualquer que seja o modo de permanecer, de certeza que vêm cá cumprir alguma tarefa.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que não desaparecem da minha vida. Não quero, de modo nenhum, dizer que estou farta delas ou que não me fazem falta, mas simplesmente porque não desaparecem.
Pergunto-me às vezes porque há pessoas que, neste momento, porque também este meu desejo é efémero, eu queria que estivessem, permanecessem ou residissem na minha vida e, ou se foram ou não chegaram a vir.
Considero que nada acontece por acaso, tudo acontece por algum motivo, com algum objectivo, mesmo que este me seja desconhecido, no momento ou para sempre.
Deixo algum exercício de pensamento.
Se entram na minha vida e ficam.
Se ficam, podem ficar para sempre, por muito tempo ou por pouco tempo.
Se ficam para sempre, será que são indispensáveis ao meu viver? Será que lhes está destinado acompanhar-me como se parte de mim se tratassem? Será que a sua existência também só faz sentido comigo por perto? Será que precisam tanto de mim como eu delas?
Se ficam por muito tempo, será que ficam o tempo necessário para cumprir alguma tarefa de aprendizagem, de mensagem, de ensinamento, quer delas, quer minha? Cumprida a tarefa vão embora? A tarefa era uma tarefa complicada, audaz, que requeria algum tempo?
Se ficam por pouco tempo, será que a sua entrada na minha vida foi só um capricho seu? Será que foi um desafio egoísta? Será que foi a demonstração de uma capacidade sua? Será que foi um engano?
Se entram na minha vida e me abandonam, pode ser por dois motivos. Ou porque morrem ou simplesmente mudam de lugar, saem da minha vida, mantendo a sua existência.
Se morrem, saem definitivamente. E aqui, será porque cumpriram a sua tarefa junto de mim? Será que foram inaptos para o desempenho dessa tarefa? Será que foram prejudiciais à minha existência? Será que foi castigo?
Aqui ressalvo a questão do desaparecimento físico. Porque nem sempre com o desaparecimento físico ausenta-se também o emocional, o intelectual, a essência do ser.
Se mudam de lugar simplesmente, será porque não gostaram da entrada? Será que não gostaram da permanência? Será que se cansaram? Será que se decepcionaram? Será que cumpriram a sua tarefa e ela era somente deixar algumas sementes que me permitissem continuar a florir?
Mas por muitas dúvidas que tenha acerca das entradas, permanências e saídas de pessoas da minha vida, quer a união seja de amizade, de amor, parental, laboral, ou outra, creio que de uma coisa não tenho dúvida. Todas essas pessoas vêm, vieram e virão, preencher uma necessidade. Uma necessidade minha e uma necessidade delas também.
Preenchidas que estão essas necessidades, cumpridas essas tarefas, mais cedo, mais tarde ou nunca elas me abjuram.
Pela ausencia de umas sinto uma dor insuportavel, pela de outras uma dor muito grande, pela de outras uma dorzinha, pela de outras é indolor, e pela de outras nem me apercebo.
Será por tudo isto que eu sou uma pessoa coberta de características? Umas boas, umas menos boas, umas más, dependendo de cada análise feita.
Será que foram, são e serão, todo este conjunto de pessoas, que construíram, constroem e construirão a minha personalidade? Creio bem que sim.
Será que não sou perfeita, porque nem todas as pessoas que cruzaram o meu caminho desempenharam eficazmente e de boa fé o seu papel? Creio que ninguém desempenha desse modo o seu papel. Se assim fosse havia pessoas perfeitas!
Mas de uma coisa também tenho a certeza. Eu não sou a mesma ANTES e DEPOIS DELAS.
A TODAS, mas a todas mesmo, o meu OBRIGADA.
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível - a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
- Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino
- Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstractas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo,
Por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa!
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim,
Com a substância essencial do meu ser abstracto
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
(…)
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.
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Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa
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