domingo, 25 de abril de 2010

Amália /**Abandono**/

25 de Abril de 2010

Deveria escrever qualquer coisa para assinalar esta data, para mim tão importnte.
Mas, depois de ler este texto do meu amigo Eduardo Luciano, fiquei sem palavras. Aqui está tudo.
Com sua autorização, publico-o aqui no meu "cantinho"

"E já passaram 36 anos sobre aquele momento libertador que muitos acreditaram ser o passo para uma outra sociedade.
A distância da data histórica permite que quase todos comemorem, comemorando coisas diferentes. Há quem comemore a liberdade, há quem comemore o sonho que parecia possível, até há quem comemore o contrário dos ideais de Abril.
Também há os que aproveitem a data para aprofundar o processo de revisionismo histórico, para plantarem “heróis” convenientes em cenários onde nunca estiveram.
Muitos de nós caímos na tentação de ficar presos na lembrança de momentos de entusiasmo irrepetível, de solidariedades que pareciam não ter fim, de transformações políticas que pareciam acontecer por milagre.
Recordamos cantores e canções, alguns deles desafinam hoje o que afinavam naquela época e falam desse tempo como quem fala de um momento de passageira loucura.
Também recordamos, algumas vezes com uma frase que envolve referência às progenitoras, aqueles camaradas que pareciam ter a revolução a correr-lhes nas veias, que eram mais revolucionários que a própria ideia de revolução e que afinal, quando os ventos mudaram, eles mudaram ainda mais depressa que o vento.
Nas escolas a maioria dos professores transmitirá aos alunos o que é consensual na comemoração e ocultará o que de mais exaltante aconteceu, porque falar em reforma agrária, nacionalizações, controlo operário, não é politicamente correcto.
Não fujo a nenhuma destas vertentes da comemoração. Também regresso à adolescência, também povoo a memória de canções, de episódios, de frases escritas numa parede.
Apesar dessa incontornável nostalgia, prefiro festejar o Abril que falta cumprir. Prefiro festejar a disponibilidade de continuar a acreditar num futuro onde a liberdade e a igualdade se encontrem, onde a democracia não se esgota em actos eleitorais e se cumpre na vertente política, cultural e económica.
Contrariamente ao que nos pretendem fazer crer, os tempos que vivemos hoje não são consequência da revolução de Abril. São uma consequência do que ficou por cumprir de Abril.
A melhor forma de festejarmos o 25 de Abril, não é a olhar para trás. É com os olhos postos no futuro, empenhados na sua construção, lutando para que se cumpram os seus ideais.
Cantemos a Grândola, não como um hino do passado, mas como um projecto cantado de uma sociedade que ainda não alcançámos.
A azinheira que já não sabia a idade e que nos fazia reféns da sua sombra, aligeirou-se, mudou de aspecto, modernizou-se e está mais liberal, mas continua a cumprir o seu papel.
Embora pareça, ainda não é o povo quem mais ordena, porque como dizia a canção do Sérgio, só há liberdade a sério quando houver /liberdade de mudar e decidir/ quando pertencer ao povo o que o povo produzir.
Abril não é passado. É o futuro de que não nos podemos permitir desistir."

"Eduardo Luciano"

sábado, 24 de abril de 2010

Hoje recebi um abraço

Etimologicamente, abraço é quando duas pessoas ficam parcial ou completamente nos braços uma da outra. É o envolvimento de uma pessoa nos braços de outra.
O abraço é a demonstração física de afecto, de cumprimento afectuoso, de carinho, de amor, de saudade, de protecção…
Mas o abraço, é muito mais que isso…
O abraço não é apenas um contacto fisco, mas o desejo de “abrir” a nossa intimidade. Como costumo dizer, um abraço permite-me “despir-me”. Mas como é óbvio, não nos despimos com qualquer pessoa, nem para qualquer pessoa. Logo, só abraçamos, uma pessoa especial.
Despir-me significa identificar-me, depositar confiança, e receber em troca essa mesma identificação e essa mesma confiança.
Se te abraço estou dizendo-te que confio em ti e que podes confiar em mim, que te podes despir que eu recolho a tua roupa e a vou arrumando no meu corpo, com carinho e compreensão, sem questionar se ela fica bem vestida, se as cores estão condizendo, se no aspecto final fica a harmonia.
Quando visto a tua roupa, eu vou tentando ser tu.
É uma troca, um compromisso, ainda que não haja toque.
Toque físico… Porque toque, não significa contacto…
Tocam-se os olhos, a voz, as mãos, a alma, a pele, as ideias, os pensamentos, a vontade, a sensação, o ser, o saber, o antes e o agora, e a necessidade ou não do amanhã.
Era noite, muito noite, senão já amanhã.
Ambos sabíamos que era preciso este abraço… Sabíamos que era preciso para perceber. Perceber se precisávamos… Creio que desde sempre sentimos essa necessidade.
Com este abraço muita coisa ficaria sentida. Era quase como um teste, uma aferição, uma apreciação, uma avaliação…
Ambos sabíamos necessário. Não o escondemos…
Hoje perguntaste-me se queria um abraço. Respondi que sim.
Fui abraçada, abracei, fui acariciada, acariciei, fui acarinhada, acarinhei, fui protegida, protegi…fui beijada, beijei.
E não te toquei… “O teu abraço, foi de certeza melhor que o teu abraço…”
Porque te abracei? Porque me deixei abraçar? Porque me ofereceste o teu abraço? Porque aceitei?
Ambos sabíamos necessário, urgente, premente, iminente, latente…
Como te disse, nada acontece por acaso e “a ponte é uma passagem…” “para a outra margem”
Um abraço, e estou a falar de um abraço somente emocional, transmite-me protecção.
Que contradição… Se me protege, porque me despe?
Porque despida, contigo, me senti protegida?
Com o teu abraço, fiquei mais forte. O teu abraço permitiu-me perceber-te melhor e perceber-me melhor… Perceber porque te quis abraçar e aceitei o teu abraço.
Fiquei mais rica.
Este abraço não soube o sabor da pele, dos corpos, mas soube o sabor da mente, o sabor da vontade de partilhar, o sabor da empatia.
No teu abraço, despiste-te. Despiste-te sem roupa, sem uma peça sequer uma gravata… Mas despiste a tua mente, o teu pensamento, a tua reflexão…
Não sei se vou voltar a despir-me e a ajudar a despir-te. Não sei se vais voltar a despir-te e a ajudar a despir-me. Não sei se vamos voltar a despir-nos…
Mas uma coisa digo, o teu abraço foi doce.
No teu abraço, li os teus olhos. No teu abraço li os teus lábios. No teu abraço, li a tua vontade e a tua contrariedade. No teu abraço li a tua (in) satisfação. No teu abraço li as tuas mãos, as tuas saudades, as tuas inseguranças. No teu abraço li a tua presença, o teu passado e o teu presente. No teu abraço li aquilo que quiseste que eu lesse… e subtilmente fizeste com que lesse. E olha que li e ouvi ler.
Quando me abraçaste, senti que tinhas vontade de o fazer. A certa altura senti que estavas na “tua praia”, envolvido naquele abraço. Depois foste-te afastando, como que se a intensidade do abraço fosse abrandando, fosses tendo menos necessidade de abraçar, até que partiste...
Que bonita e inteligente forma de comunicar…
Que bonita e inteligente forma de abraçar…
Gostaria de voltar a abraçar-te…
Hoje? Amanhã? Nunca?
Sempre.
Obrigada.

"Folha Caída"

Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"