sábado, 24 de abril de 2010

Hoje recebi um abraço

Etimologicamente, abraço é quando duas pessoas ficam parcial ou completamente nos braços uma da outra. É o envolvimento de uma pessoa nos braços de outra.
O abraço é a demonstração física de afecto, de cumprimento afectuoso, de carinho, de amor, de saudade, de protecção…
Mas o abraço, é muito mais que isso…
O abraço não é apenas um contacto fisco, mas o desejo de “abrir” a nossa intimidade. Como costumo dizer, um abraço permite-me “despir-me”. Mas como é óbvio, não nos despimos com qualquer pessoa, nem para qualquer pessoa. Logo, só abraçamos, uma pessoa especial.
Despir-me significa identificar-me, depositar confiança, e receber em troca essa mesma identificação e essa mesma confiança.
Se te abraço estou dizendo-te que confio em ti e que podes confiar em mim, que te podes despir que eu recolho a tua roupa e a vou arrumando no meu corpo, com carinho e compreensão, sem questionar se ela fica bem vestida, se as cores estão condizendo, se no aspecto final fica a harmonia.
Quando visto a tua roupa, eu vou tentando ser tu.
É uma troca, um compromisso, ainda que não haja toque.
Toque físico… Porque toque, não significa contacto…
Tocam-se os olhos, a voz, as mãos, a alma, a pele, as ideias, os pensamentos, a vontade, a sensação, o ser, o saber, o antes e o agora, e a necessidade ou não do amanhã.
Era noite, muito noite, senão já amanhã.
Ambos sabíamos que era preciso este abraço… Sabíamos que era preciso para perceber. Perceber se precisávamos… Creio que desde sempre sentimos essa necessidade.
Com este abraço muita coisa ficaria sentida. Era quase como um teste, uma aferição, uma apreciação, uma avaliação…
Ambos sabíamos necessário. Não o escondemos…
Hoje perguntaste-me se queria um abraço. Respondi que sim.
Fui abraçada, abracei, fui acariciada, acariciei, fui acarinhada, acarinhei, fui protegida, protegi…fui beijada, beijei.
E não te toquei… “O teu abraço, foi de certeza melhor que o teu abraço…”
Porque te abracei? Porque me deixei abraçar? Porque me ofereceste o teu abraço? Porque aceitei?
Ambos sabíamos necessário, urgente, premente, iminente, latente…
Como te disse, nada acontece por acaso e “a ponte é uma passagem…” “para a outra margem”
Um abraço, e estou a falar de um abraço somente emocional, transmite-me protecção.
Que contradição… Se me protege, porque me despe?
Porque despida, contigo, me senti protegida?
Com o teu abraço, fiquei mais forte. O teu abraço permitiu-me perceber-te melhor e perceber-me melhor… Perceber porque te quis abraçar e aceitei o teu abraço.
Fiquei mais rica.
Este abraço não soube o sabor da pele, dos corpos, mas soube o sabor da mente, o sabor da vontade de partilhar, o sabor da empatia.
No teu abraço, despiste-te. Despiste-te sem roupa, sem uma peça sequer uma gravata… Mas despiste a tua mente, o teu pensamento, a tua reflexão…
Não sei se vou voltar a despir-me e a ajudar a despir-te. Não sei se vais voltar a despir-te e a ajudar a despir-me. Não sei se vamos voltar a despir-nos…
Mas uma coisa digo, o teu abraço foi doce.
No teu abraço, li os teus olhos. No teu abraço li os teus lábios. No teu abraço, li a tua vontade e a tua contrariedade. No teu abraço li a tua (in) satisfação. No teu abraço li as tuas mãos, as tuas saudades, as tuas inseguranças. No teu abraço li a tua presença, o teu passado e o teu presente. No teu abraço li aquilo que quiseste que eu lesse… e subtilmente fizeste com que lesse. E olha que li e ouvi ler.
Quando me abraçaste, senti que tinhas vontade de o fazer. A certa altura senti que estavas na “tua praia”, envolvido naquele abraço. Depois foste-te afastando, como que se a intensidade do abraço fosse abrandando, fosses tendo menos necessidade de abraçar, até que partiste...
Que bonita e inteligente forma de comunicar…
Que bonita e inteligente forma de abraçar…
Gostaria de voltar a abraçar-te…
Hoje? Amanhã? Nunca?
Sempre.
Obrigada.

"Folha Caída"

Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

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