sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

___________________________________________________________________ Este texto foi-me remetido pelo meu filhote André
A ti filho dou-te os parabéns por “modéstia de mãe à parte” acho que escreves muito bem...
Também gostei da história porque denota o teu carácter observador, imaginativo e se, lido mais no fundo, o solidário e defensor da igualdade.
Não me arrependo de nada que tenha feito para ti nem por ti.
Amo-te pelo “grande” pequeno homem que és.
O meu obrigada por existires.
Mamy
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Na Visão de um Moribundo

Estamos em Outubro. As folhas começam a despir a mais simples das àrvores, os pássaros refugiam-se aguardando melhores tempos. Não chove, mas o frio que deambula nas ruas faz lembrar a mais afiada das lâminas. Barcelona já não vivia um dia tão frio há muitos anos. La Rambla está, ao contrário da maioria dos dias da sua “vida”, desprovida de qualquer turista, sendo “habitada” simplesmente por varredores, lojistas e alguns vagabundos a quem a fome superioriza-se ao frio oferecido pela cidade de Gaudí.
Um desses moribundos, Antoni, recorre já sem forças aos poucos transausentes que por ele passam. Por fim, um homem de nariz adunco, com vestes rossadas, óculos quase a cair do nariz passa por Antoni e de forma indiferente, como que por sem querer, deixa cair uns tostões perto do esfomeado muribundo. Após observar a miséria que foi deixada por cima das folhas humidas que o Outono despira, Antoni, agradece, fitando um pó branco que mal se notava nas mãos daquele que pensara ter feito a sua boa acção diária.
- Obrigado Senhor Professor! – disse o vagabundo ainda fitando as mãos do homem.
Indignado, o homem recua, e aproxima-se do mendigo.
- Desculpe, mas você conhece-me? – Pergunta o homem ao vagabundo que recolhia agora uma esmola dada por uma bailarina que acabara agora a sua “actuação” na grande Rambla dos espetaculos.
- Não senhor, não o conheço nem nunca o tinha visto. Raramente esqueço uma cara! – responde Antoni contando com uma expressao calculista os trocas que escassiavam perto de si.
- Então como sabia você que eu sou professor? – Pergunta o homem cada vez mais confuso.
- Caro senhor, por eu ser um muribundo não sou obrigado a ser cego, posso cheirar e pretender. Posso ter sonhos e posso desejar concretizá-los. Posso depreender e arriscar. Posso também lutar por uma vida melhor. – responde com tom sonhador Antoni.
- Lérias e desejos! Arranje um trabalho homem!!! – disse o homem afastando-se pensando que ali tinha sem duvida perdido algum do seu precioso tempo.
- O giz senhor! Restos de giz nas suas mãos! Como lhe disse, eu posso depreender e arriscar! – Responde Antoni ao tom alviterante do definido professor.
Em género desconcertante, o professor segue o seu agora, indefinido, trajecto enquanto Antoni continua a sua inglória luta diária.

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André Salazar (Janeiro de 2008)

1 comentário:

Maria disse...

Epá... Este puto é mesmo filho de quem é... Adoro-vos!

Um beijo a ambos