quinta-feira, 15 de outubro de 2009


O que pensa a gaivota

Ela voa… voa… faz rasantes… queda-se, ora quer em cima do mastro do barco, ora no parapeito da muralha do rio.
Volta a subir em direcção ao céu, em busca do seu mundo.
olha… observa… vê… pára… pensa…
Sim, pensa. As gaivotas também pensam…
Pensam de modo diferente daquele que nós, aqueles que pensamos que somos o ser superior, pensamos.
Mas elas, na sua agremiação… pensam. Pensam e transmitem informação e conhecimento, pensamentos, sensações, saberes, experiencias.
Ela voa e observa.
Elas, as gaivotas, fazem parte do espaço que nos rodeia.
E ali está ela observando o vai vem daquelas criaturas. Sim criaturas, porque para ela somos simplesmente isso.
E observa a esplanada, onde uma fileira de criaturas perfila como se de uma carreira de formigas se tratasse, que transportam o seu alimento, adivinhando um Inverno agreste.
Observa e pensa…
Que farão aquelas criaturas, naquele vai vem, umas de pé outras sentadas, erraticamente dispersas? Umas sozinhas…, outras acompanhadas…
Umas conversam…, outras estão caladas…
Umas, outras, estão fechadas em si mesmo, com o olhar perdido na imensidão daquele Rio.
Há ainda aquelas, outras, que partilham um ruído estrondoso mas rítmico, de boca aberta, dentes à mostra. Ela não sabia que aquelas criaturas, as outras, estavam a dar gargalhadas…
O som das águas, no seu vai vem, recorta aquele buliço.
Mas não é suficiente para desviar a atenção da gaivota das tais criaturas que, na imagem que delas faz, se assemelham a formigas que cativam os sentimentos para os formigueiros, armazenando ou desperdiçando o que tanta falta vai fazer naquele Inverno que se avizinha.
Há umas, outras, que lhe chamam especial atenção.
São aquelas, que estão fechadas em si mesmo, olhar perdido no horizonte, quem sabe pensando em mais um dia da sua vida, em mais um dia da sua existência.
Mil pensamentos ali passam, mil sensações, mil recordações. Umas trazem nostalgia, outras, amargura.
As expressões mudam conforme o sentido em que o vento transporta os pensamentos…
Uns, o vento leva-os, outros, o vento trá-los…
E a expressão delas muda.
E ela, a gaivota, interioriza o quadro estranho, misterioso, enigmático que se lhe expõe.
Ela não consegue esclarecer aquele quadro…
Ela voa, ela ri, ela canta, ela olha, Ela…
Porque não voam???
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"Folha Caída"
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Gaivota
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
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Alexandre O'Neill
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2 comentários:

Quinta da Ribeira disse...

Grande texto; veloz e escorreito.
Agora sim, fiquei deslumbrado.Mulher sensivel, mas que ainda procura a razão cientifica(sociologica/antropológica), das coisas simples.
É um esforço penoso,que segundo disse Claude Lévi-Strauss à dias, antes de morrer, faz muito mal à garganta e dà estados de prostação.

Folha Caída disse...

epá
creio que te enganaste no texto.
mas assim mesmo, obrigada.
Não está concluido.
beijo pra ti